Notícias

11/03/2009 O futuro da indústria gráfica ou a indústria gráfica do futuro?
O futuro da indústria gráfica ou a indústria gráfica do futuro?

Por Mário César de Camargo*

Mark Twain, provavelmente o mais genuíno de todos os escritores americanos, certa feita destilou uma pérola, desmentindo notícias de seu falecimento, veiculadas pelo jornal: "As notícias sobre minha morte foram extremamente exageradas".

Talvez algo semelhante aconteça com a indústria gráfica, cujo féretro tem sido anunciado, principalmente por veículos impressos, há quase meio século. Cito o caso de Pinkus Jaspert, jornalista especializado em indústria gráfica, que num encontro mundial do setor chamado Comprint, em 1976, preconizou que o leríamos no New York Times somente em tela, a partir do ano 2000.

Antes de profetizarmos sobre a gráfica do futuro, cabe perguntar se haverá gráfica no futuro. Quando presidente da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica), alertei a diversos públicos empresariais de que alguns produtos da indústria gráfica pereceriam. Considerado apocalíptico, o discurso encontrava uma parte da platéia cética, cega, esperançosa e iludida. Afinal, pensamento estratégico não consta das prioridades das quase 20 mil gráficas brasileiras, eminentemente microempresas, voltadas endogenamente para seus desafios rotineiros.

Mas era evidente que alguns produtos da lavra gráfica não enfrentariam os novos tempos. A nota fiscal impressa, por exemplo, era um deles. Fruto de uma relação incestuosa entre controle fiscal, cobiça arrecadatória e aceleração das informações, era previsível que os sistemas eletrônicos integrados atropelariam a nota fiscal "arcaica".

Minha própria empresa, a Bandeirantes, foi "vitimada" pelo advento da integração bancária. Imprimíamos a relação de cartões de crédito "negativados" - aquela infame lista de "picaretas", consultada por atendentes do comércio enquanto esperávamos ansiosos a aprovação da compra. Seria cabotino dizer que o sistema de máquinas de aprovação online piorou a vida de milhões de portadores de cartão de crédito, somente porque eliminou a listagem impressa. O triunfo da informação digital era líquido e certo.

Todavia, há produtos gráficos com uma sobrevida considerável, principalmente nos países emergentes. Consideremos apenas alguns dados recentes:

1) Enquanto a demanda por jornais nos EUA cai sucessivamente, o Instituto Verificador de Circulação (IVC) emitiu no início do ano o relatório de tiragens no Brasil em 2008, apresentando um acréscimo de 5% na circulação média diária, ante 11,8% de crescimento em 2007, e 6,5%, em 2006;

2) Segundo dados da Abigraf e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o valor da produção setorial em 2008 ultrapassou R$ 23,44 bilhões, ou aproximadamente US$ 13,24 bilhões, com dólar médio de R$ 1,77. Em 1996, o PIB da indústria gráfica brasileira era de US$ 5,7 bilhões. Uma diferença considerável. No período de oito anos, entre 2000 e 2008, o contingente de colaboradores saltou de 168 mil para 204 mil, de acordo com o Ministério do Trabalho;

3) Mesmo nos mercados "saturados", como dos EUA, a tendência é de consumo crescente de papel, obviamente com a redução de alguns produtos. Um estudo de tendências chamado "The Status of Print 2005", publicado pelo Rochester Institute of Technology, revelou que, entre 1998 e 2020, os EUA passarão de 61,65 milhões para 75,93 milhões de toneladas/ano de consumo de papel. Há encolhimento de demanda prevista em vários segmentos, como periódicos, jornais, livros, catálogos e manuais. Por outro lado, há incrementos significativos em embalagem, promoção e papel cortado.

Mas, com tudo isso, será que podemos nos iludir? Segundo Andy Grove, ex-presidente da Intel, "só os paranóicos sobrevivem". A paranóia da ameaça à indústria gráfica tem fundamento. Quando a Sony lança uma tela flexível que simula a portabilidade do papel, é insensato desprezar o avanço tecnológico que já obsoletou produtos gráficos.

A Amazon, cujo catálogo digital tem 230 mil títulos, e o Google, com sete milhões de títulos fora de catálogo, são atores principais nesse cenário futurista de difusão digital da informação. Entretanto, num cenário realista, o papel impresso e a tecnologia digital ainda conviverão por muito tempo, principalmente nos países emergentes. Quantos leitores emergentes dos BRICs (grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia e China) poderão pagar os US$ 359,00 do livro eletrônico Kindle 2, apresentado pela Amazon no dia 9 de fevereiro último?

Como será, então, essa gráfica do futuro? Algumas das características de empresas gráficas do futuro, garantindo longevidade, adaptabilidade e geração de valor ao negócio, serão:

1) Eficiência absoluta: nossa indústria ainda é altamente ineficiente, em termos de perdas (lidamos com um produto ambientalmente sensível, o papel) e geração de valor "per capita". O faturamento médio por funcionário da gráfica brasileira é de US$ 50 mil anuais, relativamente baixo comparado a outras indústrias;

2) Especialização notória: como se distinguir como líder no share of mind do seu cliente, quando há 20 mil concorrentes? A especialização, o controle de processo e a liderança de determinado segmento são ferramentas indispensáveis para a sobrevivência;

3) Agregação de valor: o destino da indústria madura - e a indústria gráfica é uma balzaquiana de 550 anos - é a "comoditização" dos serviços e rebaixamento dos preços. As gráficas do futuro deverão identificar oportunidades de agregar serviços a partir da visão do cliente, não da sua própria. Terá mais sucesso quem melhor souber desenvolver parcerias na solução dos problemas deste cliente;

4) Flexibilidade: gráfico tem os olhos voltados para seu próprio umbigo. Empresários com máquinas offset desconsideram impressão digital. Além disso, produtos plásticos impressos não são considerados gráficos, no sentido tradicional. Limitações de perspectiva, normalmente geradas a partir da visão do processo e não da demanda, inibem flexibilidade, fundamental em épocas de transição. Não me consta que a Nokia, uma empresa centenária, tenha fabricado telefones celulares desde sua fundação.

Pensando bem, essas características poderiam valer para empresas do futuro, não somente gráficas. Enquanto isso, continuaremos a ler sobre a morte anunciada do impresso sobre papel, exatamente nos moldes dos proclamas funéreos de Mark Twain.

* Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito, é presidente do Sindigraf-SP (Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo).


Data da Publicação: 11/3/2009




Outras notícias