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22/04/2009 E agora, que fazer? Receitas para sair fortalecido da crise
O silêncio não vale a pena. Esse é um dos pontos de partida de Enrique Alcat, autor de E agora, que fazer?. O livro, publicado pela Empresa Activa, tornou-se o título mais vendido em castelhano sobre o papel da comunicação em tempos de crise. Nos dias de hoje, é fundamental saber empregar os meios de comunicação como porta-vozes dos que comandam a sociedade para explicar a razão pela qual uma empresa adota o expediente de regulação de emprego (ERE), apesar de ter lucro, ou por que desloca sua produção para uma região onde a mão-de-obra é mais barata. Em entrevista concedida ao Universia Knowledge@Wharton, Alcat propõe um decálogo com aspectos que não se devem perder de vista.

Universia Knowledge@Wharton: Os executivos sabem se comunicar em tempos de crise? Quais os principais erros que cometem e como podem evitá-los?

Enrique Alcat: O presidente de um influentesemanário econômico americano sempre dizia que as principais atividades a que se devia dedicar o principal responsável de uma empresa são a planificação estratégica e a comunicação. A realidade é que, muitas vezes, só o dirigente máximo da empresa se dedica ao primeiro requisito. O segundo, o da comunicação, ainda continua sendo peça de “ficção científica” na maior parte das empresas, contentando-se com vários releases durante o ano, almoços com jornalistas, eventos ou inserções publicitárias em algum meio. A comunicação é uma ferramenta básica na gestão de qualquer empresa, portanto elas deveriam contar com profissionais especializados que conheçam os segredos e a linguagem específica da comunicação empresarial e corporativa. Poucos discutem hoje em dia a importância de um diretor financeiro, de um diretor de marketing ou de relações humanas em qualquer empresa medianamente profissional, mas são poucas as que reconhecem a necessidade e o valor de uma boa estratégia de comunicação.

A comunicação é fundamental para solucionar ou minimizar o impacto de qualquer crise. A imagem, o que é percebido pelo consumidor ou pelo mercado, é uma soma de ações e um acúmulo de detalhes que é preciso conhecer para poder gerir adequadamente qualquer situação de conflito. Uma decisão equivocada ou uma manchete de jornal podem pôr fim ao trabalho de muitos anos e ao respeito conquistado com esforço diário. Cedo ou tarde, 95% das empresas passam por uma crise ao longo de sua existência com efeitos negativos para sua imagem pública, sua credibilidade e também sua conta de resultados. Contudo, apenas 10% das empresas que passam por algum problema grave aproveitam essa circunstância para corrigir erros, tirar conclusões e, no final, sair fortalecidas. A palavra “crise” é a mais repetida na imprensa econômica mundial, quer as coisas estejam bem ou mal, e a imensa maioria das empresas não sabe geri-la do ponto de vista da comunicação.

UK@W.: O que se pode fazer para que um dado que repercute tão mal na imprensa, como o expediente de regulação de emprego (ERE), não desgaste a imagem de um executivo ou de uma empresa?

E.A.: O fechamento de uma empresa, os “cortes” de pessoal, a retirada (ou não) de um produto defeituoso do mercado, a contaminação do meio ambiente, o roubo de informação privilegiada, a corrupção como forma de gestão, as fusões de empresas, os expedientes de regulação de emprego, os deslocamentos de produção, um erro humano com consequências para a saúde ou para a segurança dos consumidores etc. são situações críticas que podem repercutir negativamente nos meios de comunicação afetam também as empresas familiares, pequenas e médias empresas e multinacionais, e que exigem a intervenção direta e profissional dos responsáveis pelas empresas. É preciso prevenir e remediar.

Alguns desses acontecimentos dolorosos são levados em conta nos planos de negócios, mas as crises chegam quase sempre sem aviso prévio e colhem de surpresa quem está dentro e fora da empresa. Os diretores, empresários, os responsáveis principais vivem o dia-a-dia de sua atividade empresarial convencidos de que infortúnios desse tipo só acontecem aos outros, e “que coisas assim jamais acontecerão a eles”. Trata-se de um erro muito grave, porque “coisas assim” acontecem diariamente.

UK@W.: Como podemos nos preparar par algo que não sabemos quando nem onde vai acontecer?

E.A.: Prevenção é a palavra-chave. Prevenção significa ter todos os cenários possíveis delineados e todas as ações devidamente planejadas em função de possíveis cenários imprevistos. Prevenção significa não deixar a administração ao sabor do improviso ou de ideias brilhantes do momento, ou de qualquer diretor, em meio a uma crise de grandes proporções.

UK@W.: Quais os primeiros passos a seguir na hora de comunicar uma crise pontual? O que jamais se deve fazer?

E.A.: A maior parte das empresas, quando se veem diante de uma crise, reagem com nervosismo e sem método. Além disso, tendem a não refletir adequadamente, procuram culpados, recusam-se a receber orientação de pessoas que entendem do assunto e, como se não bastasse tudo isso, administram a crise sozinhas. Uma atitude profissional requer que se tenha pronta, de antemão, uma equipe gestora de crise e um manual de procedimentos (o que os especialistas chamam de Manual da Crise e de Riscos à Reputação) que especifique o que deve ser feito, quem deverá fazê-lo e como se deve gerir a situação.

A escolha dos porta-vozes adequados, a elaboração e a atualização das mensagens mais importantes, explicações que esclareçam as ideias básicas, sistemas de detecção de alerta, fluxos internos de informação, gestão das emoções e de atitudes são algumas das medidas preventivas que toda empresa deve elaborar de antemão se quiser lidar com sucesso com as crises. Além disso, são úteis também os cursos de formação em comunicação ou simulação de crises que comprovem “in loco” o que reza a teoria.

A humildade é incompatível, nesse caso, com algumas situações de crise que tive de administrar. Cito aqui uma de muitos anos atrás, mas que ainda hoje é tristemente atual. Lembro o primeiro caso de doping generalizado de uma equipe esportiva. Foi no Tour de France, em 1998. Já faz dez anos. A equipe então líder mundial da modalidade era a Festina, que teve de abandonar a corrida por causa dessa prática nociva que nesses dez anos tornou a se repetir como se ninguém tivesse aprendido anda com tudo o que aocnteceu.

A fabricante de relógios espanhola Lotus-Festina sempre acreditou na excelência do esporte e parte do seu orçamento era destinado não só ao patrocínio de sua equipe, como também da própria competição. A empresa, como tantas outras, desconhecia o manual da crise e o que se deve fazer quando se está literalmente a ponto de naufragar devido uma situação que monopolizou não só as manchetes principais da imprensa esportiva e espanhola, mas também do mundo todo durante vários meses. Os momentos naturais de tensão e a enorme carga de negatividade afetaram também os ciclistas, a equipe esportiva e os diretores da empresa. O presidente da Festina, Miguel Rodriguez, me escreveu o que reproduzo em meu livro E agora, o que fazer? A frase diz tudo: “Aprendi que em uma situação de crise, não basta assumir a responsabilidade pelos atos que a causaram; tampouco é suficiente demonstrar tal responsabilidade, porque o que fica, e o que importa de fato, é a percepção do cliente. Um bom plano de comunicação pode ser a solução.”

De fato, um plano de comunicação e uma gestão ininterrupta da crise durante mais de meio ano permitiu que o grupo Lotus-Festina não só não desaparecesse como também se tornasse a marca de relógios mais prestigiada da Espanha e a terceira mais valorizada da Europa.

UK@W.: O sr. poderia dar exemplos reais de empresas que souberam se comunicar em meio à crise e de outras que não souberam fazê-lo? Quais foram as consequências em ambos os casos?

E.A.: Dizer que alguém “está em reunião” para discutir a crise ou frases do tipo “sem comentários” são coisas que devem desaparecer por completo. Deve-se assumir com rigor e profissionalismo qualquer situação de crise. Diante de uma crise, seja ela qual for, é melhor se comunicar, ainda que de forma sucinta, do que ficar calado. A comunicação deve ocorrer logo de início, embora não se tenha informação suficiente. É preferível fazê-lo de imediato em vez de esperar por um número maior de informações pouco “frescas” a serem comunicadas à opinião pública. Mentir, então, nem pensar. Quantas crises não poderiam ter sido resolvidas a tempo se, simplesmente, os diretores não tivessem caído no recurso fácil e contraproducente de mentir, algo próprio do gênero humano em toda parte.

Todos se lembram como a empresa de consultoria Arthur Andersen implodiu com o caso Enron. Uma vez mais, a gestão da crise foi mais determinante do que a própria crise. Por mais que se manipulassem ou se escondessem as informações, por mais falcatruas que cometessem os auditores, havia sempre a possibilidade de dizer a verdade, por mais dura que fosse. Poderiam ter pedido a demissão de pessoas que traíram a confiança das demais aplicando-lhes, quem sabe, uma multa pesada sempre e quando tivessem mentido. Tudo isso talvez pudesse ter evitado o desaparecimento da empresa. Que culpa tinham os auditores da Arthur Andersen de Vigo ou de Sevilha em relação ao que se passou em Houston? Nenhuma. É como se a Festina tivesse dito em algum momento que seus ciclistas não se dopavam. Cabia aos juízes e às autoridades se pronunciar nesse sentido. O que a empresa fez foi aplicar medidas práticas e dar uma lição exemplar dentro e fora da companhia que foi percebida pela sociedade, diferentemente do que se passou com a outra empresa. Os resultados são óbvios, porque é preciso ter em mente que a realidade e a verdade sempre prevalecem.

Diante de uma crise, deve-se convocar, em primeiro lugar, e em caráter de urgência, o “comitê de crise” do qual devem fazer parte, no mínimo, o diretor geral ou, na falta deste, algum representante máximo da empresa, o assessor jurídico, o responsável pelas relações humanas e um especialista em comunicação. A existência do comitê se explica pela preocupação prévia da empresa com uma possível crise. Embora pareça mentira, as empresas continuam pensando em faturar e em vender, o que faz sentido, mas elas nunca pensam na possibilidade de uma crise, porque o simplismo reinante diz que “trabalhamos bem, nunca nos aconteceu coisa alguma e, quando acontecer, vamos procurar ajuda”.

O fator tempo é fundamental. Deve-se procurar ganhar tempo analisando-se o maior número possível de informações enquanto o comitê de crise adota as primeiras medidas. Os minutos que antecedem a primeira decisão são da maior importância, já que se ela for equivocada, poderá refletir sobre a evolução dos acontecimentos posteriores.

Já que me referi anteriormente a uma empresa de auditoria, citarei agora uma outra que soube gerir a crise a tempo e da maneira adequada, seguindo ao pé da letra as instruções do manual. Refiro-me ao caso Windsor (prédio de escritórios de Madri que pegou fogo), que independentemente da forma pela qual o caso chegue ao fim — em função de acusações mútuas entre Deloitte, proprietários do edifício e resseguradoras —, as empresas ali instaladas souberam como reagir em muito pouco tempo e da forma mais rápida e profissional possível. Eles tinham um manual de crise, que embora tenha se queimado no incêndio, não desapareceu porque havia uma cópia online. Já havia ocorrido também algumas simulações. Isso explica tudo: ainda que ocorram grandes desgraças, se a empresa estiver preparada poderá reverter a situação. Se não estiver, vai perder tempo parando e procurando culpados em vez de buscar soluções.

As primeiras comunicações devem ser elaboradas com as poucas informações existentes. Se não houver nenhuma, deve-se pelo menos “mostrar” de forma inequívoca que há o desejo de transparência. É importante que a informação seja organizada em função de dados objetivos, evitando opiniões ou juízos de valor. É preciso evitar a tentação de permanecer inflexível ou de “tirar o corpo fora” culpando a terceiros sem ter a confirmação das responsabilidades. É fundamental manter a calma e a moderação. Os impulsos e as improvisações são maus conselheiros. Jamais administre uma crise sozinho. Confie em sua equipe, lidere o processo e procure minimizar o clima de tensão. A probabilidade de que alguém administre corretamente uma crise sem o auxílio de especialistas é simplesmente nula.

Diante de uma crise, deve-se evitar a paralisia ou o silêncio como resposta. Não fazer nada e esperar que o tempo resolva o problema sem propor uma estratégia mínima que seja é um erro crasso e muito comum. Não se pode deixar o tempo passar sem dar informação alguma às pessoas afetadas, aos meios de comunicação, à sociedade, às autoridades etc. Tampouco se deve pôr a culpa em outros e muito menos em quem não tem como se defender no intuito de desviar a atenção ou criar confusão para dividir culpas e fugir ao problema, em vez de tratá-lo com seriedade e rigor. A política do “ventilador”, isto é, de repartir a culpa para escapar à responsabilidade é sempre contraproducente. Olhar para o passado em busca da origem da crise e descuidar do presente e do futuro, do que se deve fazer de imediato, contribui apenas para que a solução da crise nos escape das mãos. A investigação do que foi feito revelará no tempo apropriado o que foi que se passou.

De nada adianta também convocar os “quatro contatos” de nível máximo para que tentem frear ou deter a crise. Os políticos, os meios de comunicação, os acionistas ou amigos influentes não são capazes de “deter” coisa alguma. Pelo contrário: o efeito pode ser ainda mais deletério.

Todo cuidado é pouco naquilo que se pretende fazer. Embora não deva haver precipitação, é importante também estar ciente de que, nas crises, o tempo corre mais rápido do que de costume, e todos os afetados esperam soluções eficazes e informações verdadeiras o mais brevemente possível.

Deve-se evitar culpar as vítimas, exigir demissões ou buscar rapidamente um responsável pelo ocorrido sem comparar as informações e antepondo outros interesses à verdade. Deve-se sempre dizer a verdade. A mentira nunca serve para nada e, em situações de crise, cedo ou tarde ela acaba exposta. A verdade, além disso, sempre gera boa reputação e, posteriormente, benefícios econômicos.

Ninguém deve imaginar que a crise possa desaparecer subitamente. Existem medidas prévias para minimizar o impacto de uma crise que devem ser tomadas para que não se dê passo algum em falso como, por exemplo, veicular alguma publicidade nos jornais sem nenhum tipo de estratégia de comunicação. Isso não resolve coisa alguma.

UK@W.: É possível sair fortalecido de uma crise?

E.A.: Sem dúvida. Indico a seguir um decálogo com “receitas” para sair bem da crise e fortalecido.

1. Dizer sempre a verdade. Chamar as coisas pelo nome, sem eufemismos, e ser responsável. Não mentir nunca.

2. Jamais ficar em silêncio. As empresas, em situações de crise, têm o dever moral de informar. O silêncio como resposta aumenta a percepção negativa da situação porque se você não disser o que está fazendo, outros também não dirão.

3. Aproveitar a oportunidade para começar de novo. Toda crise é uma oportunidade para fazer um balanço e corrigir erros. As empresas olham excessivamente para o próprio umbigo, mas há inúmeros aspectos a melhorar.

4. Preparar-se e prevenir-se. A gestão correta de uma crise passa pelo preparo. As crises chegam sem avisar. Uma empresa preparada evitará prejuízos econômicos e pessoais elevados.

5. Ser proativo. Sucumbir ao medo paralisante e deixar que o tempo passe sem tomar providência alguma são dois erros muito comuns. Diante de uma crise, deve-se sempre adotar um papel proativo e tomar as rédeas da situação antes que outros o façam.

6. Transmitir confiança. O objetivo de toda crise consiste em restituir à empresa sua situação inicial. Par que isso aconteça, devem-se gerir as percepções para que o público afetado recupere a confiança perdida.

7. Pôr em ação o comitê de crise. Os integrantes do comitê devem saber muito bem o que deve ser feito a cada momento, jamais improvisando coisa alguma.

8. Comunicar interna e externamente. Se é importante o que se diz ao público externo à empresa, não é menos importante o que se deve dizer internamente. O público interno deve se manter informado pelos meios criados pela empresa para esse fim, e não por terceiros, já que isso gera rumores tóxicos.

9. Administrar as emoções. As crises afetam as pessoas. Portanto, antes de se preocupar com as questões econômicas, deve-se levar em conta aspectos relacionados à saúde e à segurança, sobretudo em casos graves ou excepcionais.

10. Seguir o manual de comunicação da crise. Essa é a melhor ferramenta para lidar com qualquer crise. O manual é o mapa que toda empresa deve seguir diante dos imprevistos. Infelizmente, ele está ausente da maior parte das empresas de todo tipo e porte.


http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=1698&language=portuguese
Publicado em: 22/04/2009